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Gritos implícitos

Disse o Senhor: Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. (Ex 3,7)

Nesses dias eu lembrei de um professor, quando estudei no IPJ (Instituto de Pastoral da Juventude) em Porto Alegre, no curso de Especialização em Juventude. Era o Pe. Hilário Dick, um Jesuíta apaixonado pela juventude, que dedicou a maior parte de sua vida ao apostolado juvenil. Homem sábio e provocador. Gosta de um bom mate e um bom churrasco. 

Aprendi muitas coisas com esse Padre. Ele nos dizia que precisávamos escutar os gritos da juventude, pois Deus escutou os gritos dos hebreus no Egito. Pe. Hilário dizia que a juventude apresenta dois tipos de gritos: um explícito e outro implícito. Os gritos evidentes são os explícitos. Mas o Padre insistia que o bom assessor de jovens era aquele que escutava os gritos implícitos. Saber ler os gritos nas entrelinhas é fundamental ao se trabalhar com a juventude.

O exemplo dado pelo Padre sobre os jovens pode ser aplicado a qualquer pessoa, não importando a idade, nem o gênero. Todos nós damos gritos explícitos e implícitos diante de situações que nos incomodam. E saber ouvir esses gritos é fundamental na ação pastoral.

Hoje eu vejo muita gente na Igreja trabalhando de modo forçado e empurrando a vivência pastoral com a barriga. Muita gente azeda e descontente com os rumos de sua própria vida e da vida de seu grupo ou comunidade. Algumas dessas pessoas (mais corajosas) manifestam seu grito explicitamente dizendo o que pensa e sente para mim. Outras muitas não dizem claramente o que pensam e sentem, e é aí onde precisamos ouvir os gritos implícitos e perceber que as pessoas estão dando sinais de que as coisas não vão bem.

Como Pastor, percebo que eu preciso ouvir mais os gritos implícitos de quem trabalha comigo. Preciso notar o descontentamento dos meus e oferecer ajuda espiritual às ovelhas feridas. Devo oferecer o Evangelho. Não há nada mais saudável que o Evangelho do amor. 

Seria bom cada um tomar coragem e falar às claras com seu pároco sobre seus problemas, sobre o que pensa e sente. E seria bom que nós padres percebêssemos os sofrimentos manifestados nas entrelinhas da vida de cada agente de pastoral e de cada ovelha do rebanho.

Penso que ainda nos falta honestidade e franqueza para vivermos o Evangelho na Igreja. Escondemos muito o que pensamos e ouvimos pouco o que Jesus tem a nos dizer. Se quisermos uma Igreja mais viva e evangélica, precisamos ser mais honestos conosco e com os outros e assumirmos verdadeiramente quem somos, o que pensamos e o que sentimos. E devemos dar chance ao nosso coração para abandonar tudo aquilo que não coincide com o jeito de ser de Jesus Mestre.

Temos a oportunidade de ser uma Igreja ainda mais evangélica. Mas, para isso precisamos manifestar o que somos, pensamos e sentimos, para abraçar quem Jesus é, pensa e sente. Precisamos gritar mais explicitamente e ouvir mais implicitamente. A decisão é nossa.


Oração: Senhor Jesus Cristo, Mestre de mim. Vós me conheceis plenamente e escutais meus gritos e gemidos inaudíveis. Fazei que eu possa perceber o que em mim não está de acordo convosco e possa, em Vós, transformar em algo melhor. Assim seja.


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